sábado, 13 de junho de 2009

5 Generais - Ao Vivo (Rarities)

Por mais que tenhamos hoje toda sorte de revivais do pós-punk oitentista, as releituras atuais confirmam a impossibilidade de se resgatar, por exemplo, aquela crueza e honestidade sonora das bandas desse nostálgico período. Tanto os saudosistas que gozaram a época quanto os jovens que a idealizam concordam em algo: os tempos eram outros… diferia a mentalidade, a situação política, a forma de se ouvir música e a carga contestatória do rock, há muito dissolvida pelo mercado.
Um dos maiores e mais peculiares focos de produção nacional foi Brasília, com sua plêiade de bandas memoráveis que absorveram profundamente as mudanças que as bandas pós-punks inglesas impuseram ao rock, com seu lirismo sem perspectivas, suas menções ao gótico e seu ritmo arrastado e denso. Taxadas de darks por parte da crítica, essas bandas privilegiavam em sua quase totalidade o idioma português, ao contrário do que houve nos anos 1990 com relação às bandas de semelhante influência. Por terem entrevisto apenas um pouco da produção estrangeira que aqui chegou, essas bandas mantiveram-se heterogêneas entre si, cada qual com suas particularidades, algumas mais punks (Plebe Rude etc.), outras mais próximas ao que na Inglaterra já era chamado de rock gótico (Arte no Escuro etc.).
Entre elas, uma destacou-se em resenhas e coberturas de fanzines dos anos 1990 – podemos apontar a matéria de autoria do Fofão, atual integrante da banda Vultos – como a primeira banda gótica nacional, embora isso nunca tenha sido planejado: trata-se do quarteto 5 Generais, que abocanhou elementos de bandas como Siouxsie & the Banshees, The Sisters of Mercy, Cocteau Twins e The Cure na época em que essas bandas despontavam. Seus registros incluem participações em coletâneas como Rock Brasília (1987), e o mini-LP Onde Estão as Pessoas (1989).
Aqueles que a buscaram devido ao evidente interesse histórico depararam-se com trabalhos que merecem crédito por suas próprias qualidades. “Outro Trago” e “Pássaros Negros”, para ficarmos em apenas dois exemplos, capturam com maestria o estilo e a temática da época. Urbanas, noturnas, introspectivas, permeadas duma solidão altiva e da mais visceral insubmissão juvenil, essas canções repletas de “rancores guardados ao Deus e ao Rei” são verdadeiros retratos daquela geração.
Pegou-nos de surpresa, portanto, a notícia do retorno da formação mais duradoura da banda. Um de seus shows, ao lado do Finis Africæ, esgotou os ingresso num só dia; duas composições inéditas serão gravadas; apresentações em outros estados estão cogitados e a grande imprensa, tão cega em relação ao underground, está surpreendentemente receptiva. O vocalista João Vicente e o guitarrista Phélix responderam nossas perguntas a respeito de sua história, de seu retorno e dos planos futuros. Desejamo-lhes sucesso nesta empreitada e recomendamos aos organizadores de eventos que não deixem escapar a oportunidade de tê-los ao vivo.

É ótima a notícia do retorno do 5 Generais que, por sua história e por sua comprovada competência, muito pode enriquecer a cena alternativa brasileira. Ao leitor jovem que ainda não os conhece, de que forma vocês pontuariam a trajetória da banda, de 1985 até hoje? Quais formações a banda já teve? Que registros musicais existem?
João Vicente: Para mim, a banda começou quando um cara muito estranho foi trabalhar comigo na área de informatica do Serpro. Seu nome era o Marco e ele estava montando uma banda meio new wave chamada Objeto Direto. Depois soube que passara por outras mais conhecidas (Espaçonave Guerrilha e Ratos de sei-lá-o-quê). Fiquei fascinado com a idéia de fazer parte de alguma banda. Isso foi em 1983. Logo depois passei a me interessar mais pela cena underground de Brasília, que começava a ser notada (nem digo "reparada"… seria muito para descrever o que houve na época). Surpreendentemente, em 1984 uma banda da cidade lança um disco: Legião Urbana. Lembro que neste mesmo ano eu fui preso e perseguido pela ditadura militar… os anos eram de guerra. Quase toda semana eu fugia de cães policiais e bombas de gás… pros mais jovens, isso pode parecer loucura, mas assim era. A revolta da sociedade era crescente e a situação estava quase descontrolada contra a ditadura militar.
A banda do Marco acabou e ele montou outra e me chamou pra cantar… "vamos ver qual é", pensei. Na verdade, eu já havia tentado algo com uns amigos (como o João Damasceno, que faz parte da lista Gótico-DF hoje). Mas não achei que eu dava para a coisa… mas me animei. Começamos pauleira… mas em um ano, com o sucesso da Legião e a chegada às gravadoras da Plebe Rude e do Capital Inicial, bandas com imitadores do Renato Russo surgiam de todos os buracos da cidade! Já com mais autonomia na banda, propus mudarmos radicalmente e fazermos algo mais numa outra linha que eu amava… bem mais lento. Mostrei à banda coisas bem depressivas do The Cure, do Siouxsie & the Banshees, do Cocteau Twins e tentamos algo. Nascia ali "Outro Trago" e, pro nosso espanto, virou uma musica cultuadissima. Duas décadas depois, ainda cruzo com gente na rua que nem conheço que canta, me sacaneando com voz chorada: "acaaaabo, de acendeeerr…". A musica passou a tocar muito nas rádios que se permitiam tocar coisas indie (o trem explodiu… fizemos vários programas na Transamérica, Atlântida e outras que já tinham programas de rock).

Fomos chamados pra gravar com o Poladian. Recusei. Chamaram-nos também para a coletânea Outros Rumores para a qual gravamos "Outro Trago" e "Por um Momento". Para gravar na WEA, gravamos "Pássaros Negros" (porque "Outro Trago" estava presa por contrato ao Sebo do Disco). O Outros Rumores não saía, então fomos a Belo Horizonte novamente, gravar outra demo. Lá, os problemas de relacionamento se tornaram complicados. Coisas internas da banda. Já que eu era completamente careta, vegetariano radical e não suportava nem o cheiro de cigarro durante o ensaio, cheguei à conclusão de que já tinha feito mais do que devia… e saí. Daí em diante, não posso falar da banda. Mas continuei torcendo por eles… enfim.
Hoje, 18 anos depois, Mozart e Phélix estão tão caretas como eu! Então, por que não voltarmos para alguns shows? Agora estou com o "Outros Rumores" na mão para lançar. Precisando de apoio. Se souberem de alguém que possa ajudar… Preciso de R$ 6.000,00. Já tenho metade, dada por um Pub da cidade onde faríamos o show de lançamento e daríamos 200 CDs pra eles venderem no evento.
Phélix: Sob a pressão da ditadura, contra os estilos pasteurizados, negando o conformismo e quebrando os modismo, eis que entre as paredes de concreto da Universidade de Brasília, tomando conta do palco donde havia saído Legião, Plebe e Capital, surge a nova promessa: 5 Generais. Era véspera de Natal de 1985 e, juntamente com Finis Africae e Arte no Escuro (ainda com Lui, o do Passo), tivemos nosso debut. Com a clássica formação contando com João Vicente (vocal), Phélix (guitarra), Mozart (baixo), Marco A. (bateria) e Zé Maria (guitarra), estávamos prontos para roer a roupa do Rei.
No ano que se seguiu, tocamos em quase todos os espaços de Brasília e cidades vizinhas, além de outros onde chegávamos, montávamos os equipamentos e mandávamos ver (como no caso da Rodoviária Central de Brasília). Sempre tocávamos com bandas parceiras como Escola de Escândalo, Elite Sofisticada, Peter Perfeito (época do Babú) e – lógico – o Arte no Escuro (agora com Marielle), até termos o convite para gravar o Rumores II. Chegamos na mídia de São Paulo e Rio de Janeiro (Bizz, Jornal do Brasil, Folha e outros). Colocamos "Outro Trago" nas FMs e alguns programas locais televisivos como DFTV, mas perdemos Zé Maria por motivos "inadimplentes".
No início de 1987, após o maior quebra-pau com os produtores nos bastidores da gravação do Rock Brasília (LP ao vivo da WEA), gravamos "Pássaros Negros", porém boicotamos o lançamento no dia 21 de abril, aniversário de Brasília, em plena esplanada dos ministérios, sonho para muitos que lá tocaram. Numa viagem a Belo Horizonte para uma gravação, eu e Mozart desacatamos com nossa maneira de ser as autoridades locais e fomos direto em cana; João Vicente, que já estava com outros projetos, deixou o posto que foi prontamente ocupado por Edílson, antigo seguidor da banda.
O 5 Generais cai na estrada… o ano é de 1988, viajamos em todo Brasil levando nosso som não só às capitais como também a cidades em que nem se conhecia o rock, muito menos um som alternativo. Teria que abrir um blog somente para contar estas aventuras; de fugir de hotel pela janela, festa em delegacia, pegar “chato” em espeluncas, passar a noite na Belém/Brasília sem estepe…
Mas conquistamos muitos espaços, como o programa Mixto Quente (Globo-RJ), Kid Vinil (Cultura-SP, inclusive com um especial), entrevistas na Fluminense, Transamérica… o que culminou na gravação do disco Onde Estão as Pessoas, com uma participação super especial de Fejão (do Escola de Escândalo) na faixa "Nas Linhas", que foi lançado no final de 1989. Esta época foi marcada pela decadência geral de todas as bandas, não só as de Brasília como as de todo o Brasil. Se bandas que conquistaram o status de mainstream desabaram, imagine o que aconteceu com bandas independentes como 5 Generais: a política e a economia eram dois inimigos implacáveis para quem tinha idéias e posturas e não se subjugavam a imposições do mercado.Quando formada, a banda se chamava Ratos de Brasília. Quando foi que os "ratos" – segundo palavras da própria banda – foram "promovidos ao generalato"? O que mudou, além do nome?

J: Acho que já está explicado. Não acho que os Generais sejam derivados do Ratos. Nem sei quem foram esses ratos. Pra mim, sinceramente, os 5 Generais (nome em homenagem aos generais da ditadura militar; até hoje estranham o fato de sermos quatro) nasceram no dia em que fizemos "Outro Trago". O que veio antes foi um ensaio pra isso.
P: Na verdade, existiam duas bandas: Espaçonave Guerrilha, de onde vieram Marco A. e Zé Maria, com influências de punk rock e Cogumelo Atômico, de onde viemos eu e Mozart, com influencias de hard rock e metal. Com a entrada de João Vicente, que trouxe umas fitas esquisitas tipo Halfman Halfbiscoit, Vzyadoq Moe, Cocteau Twins etc. foi que aconteceu a mágica. Ratos foi uma banda histórica em Brasília, mas apenas Marco A. tocava nela.
O próprio João afirmou certa vez que "Pássaros Negros" tratava-se duma "singela homenagem aos góticos". A própria letra da canção já captura com maestria o ambiente noturno de então, e passados tantos anos – vocês acham que a cena gótica de Brasília preserva suas características originais? Como a descreveriam hoje?
J: Vejo pouco da cena gótica por aqui. Mas sei que existe. É claro que os tempos são outros… O próprio acesso à informação é outra. Nós, pra falar bem a verdade, éramos darks porque éramos… não havia uma cena. Não nos mirávamos em nada, porque se hoje, com internet, chega quase nada, naquela época era zero. Muito pouco interagíamos com outros locais, quando íamos ao Rio (Crepúsculo de Cubatão) ou São Paulo (Madame Satã e outros points). Hoje é outra coisa… há pessoas estudando. Há pessoas se encontrando, fazendo sarais etc…
Phélix
P: Poucas são as bandas que preservam o movimento, pois a maioria aqui só pensa em fazer sucesso imediato imitado as formulas convencionais. O forte aqui é o movimento metal, que se une, se ajuda e promove shows, todos no meio muito independente; que o diga meu amigo Felipe C.D.C. Porém existem Bandas como Vultos (do Fofão, ex-Lupercais), Banda Invisível (do João Paulo), Morffina (da Kelyane, da qual inclusive eu também participo), 7 Outubros (influencia direta, conforme integrantes, do 5 Generais) e Rosa dos Ventos (influencias do Arte no Escuro). Existem outras também, mas as dificuldades impedem seu desenvolvimento.
A parceria com Marielle Loyola rendeu um clássico, "Outro Trago". Outras iniciativas semelhantes já foram planejadas ou postas em prática?
J: Não que eu saiba. Já é demais a gente mesmo se reunir… Mas quem sabe?
P: Infelizmente, temos poucos registros dessas situações, mas já tocamos com uma pancada de gente durante esses anos.
Um registro precioso é a gravação ao vivo de "Mariana" (versão em português de "Marian", da banda inglesa The Sisters of Mercy). Essas referências sonoras, na opinião de vocês, já faziam a banda ser encarada como gótica? Ou isso foi ocorrendo aos poucos, tardiamente?
Mozart
J: Essa coisa da "Marian" é engraçada… Eu escrevi a letra baseada na versão dos Sisters porque justo antes de um show morreu uma pessoa de nome Mariana. Aí deu o estalo e preparamos pra só uma apresentação (acho que tocamos mais uma ou duas vezes). Nossas referencias maiores (as minhas, ao menos) vinham desde as fazes negras do The Cure, Cocteau Twins, Siouxsie & the Banshees, Jesus and Mary Chain até um coisa mais pop como Simple Minds. Nós não tínhamos idéia de que um dia seriamos chamados de góticos, até porque ninguém usava esta palavra na época. Porque, e simplesmente porque andávamos de preto nos chamavam de darks… As letras se tornaram mais densas e tristes, na medida em que buscávamos um espaço naquela zona pós-punk. Não queríamos ser mais uma banda a fazer "tum tum tum" e se parecer com Legião Urbana. Resolvemos dar uma guinada para um som mais lento e letras mais densas. Foi uma coisa natural, absolutamente sem ser baseada em nada. Isso aconteceu em alguns lugares… Em São Paulo havia o Violeta de Outono… no Rio o Ethiopia… e muitas outras coisas assim. A diferença é que nós fomos fundo mesmo. Bem tristes e arrastados. Até que um dia vimos que nós éramos mesmo diferentes (tínhamos mais semelhanças com o Arte no Escuro e menos o Finis Africae).
Em razão da atual configuração da Internet e da facilidade em se divulgar arquivos de áudio, vocês já cogitaram disponibilizar as raridades da banda – como sua primeira fita de demonstração – na grande rede?
J: Primeira fita? Deus os livre!… Mas temos material sim. O CD "Outros Rumores" está para sair com duas músicas nossas – "Outro Trago" – nosso maior hit na época, e "Por Um Momento".
P: Agora com nosso retorno espero fazer um site oficial da banda em que poderemos divulgar todo material que ainda existe, como demos, registros ao vivo, shows, fotos, essas coisas. Aguardem!!
Marco A.
Qual é a situação atual da banda? Exatamente há quanto tempo ela foi reagrupada? Já há alguma nova composição disponível? E quanto a apresentações ao vivo?
J: Houve um no dia 29 de abril, no Teatro Nacional de Brasília. Estou acertando shows no Gate's em Brasília e mês que vem vou ao Rio, Belo Horizonte e Curitiba… quem sabe?
P: Já estávamos cogitando um show para lançarmos o CD "Rumores II" quando recebemos o convite do FMI (Feira de Música Independente) que (já) aconteceu. A repercussão foi maior que imaginávamos, pois a imprensa nos deu o maior destaque, os ingressos para o show acabaram uma semana antes, o pessoal estava todo lá dando uma força: Loro do Capital, Fellipe da Plebe, o pessoal do Finis, até a irmã do Renato Russo queria dar uma canja com a gente!!! Foi realmente muito emocionante. O reconhecimento mesmo após tantos anos sem tocar e o pessoal ainda conhecia as letras e pedia músicas, foi demais!!!
Estamos pensando em entrar no estúdio para gravarmos duas músicas. "Cenas" e "Naufrágio", para divulgação, já que essas nunca foram gravadas e têm ótima aceitação em shows.
Como devem proceder aqueles que desejam comprar materiais da banda?
J: Mandem e-mails para mim (jvcbsb@yahoo.com.br). Estou fazendo uma lista de interessados em comprar o "Outros Rumores"… sai até final do ano. Estou à procura de patrocínio. Alias, se souber de algo… preciso de mais ou menos R$ 6.000 para lançar 1.000 cópias. São ao todo oito músicas de quatro bandas da época aqui de Brasília.
P: Quem quiser entrar em contato para trocar uma idéia, saber da banda, dar umas dicas, xingar, enfim, qualquer coisa, o meu endereço é siouxsiemorff@hotmail.com.
O que vocês destacariam da atual lavra alternativa do DF? O que vocês têm ouvido e visto de melhor por aí?
J: Olha… até pouquíssimo tempo não havia nada. Começaram um movimento calango com bandas misturando sons regionais do cerrado com rock. Mas acho que isso sumiu junto com o Mangue Beat. Recentemente, mas muito recentemente, com novos pontos de encontro que surgiram na cidade (Landscape, que já fechou, e Orange, em que eu que toco e vai indo bem) novos grupos vem se formando. Coisa muito boa… Mas ainda não sei dizer os nomes das bandas.. O nome de maior destaque é o do Móveis Coloniais de Acaju…
P: O que tenho ouvido e visto de pior, você quer dizer. Mas, além das que já citei, existem bandas como Radiossauros (rock cerrado), Suíte Super Luxo (rock alternativo), Death Slam (grind) e Prisão Civil (punk rock de origem), porém tenho esperança, sempre surgem grupos para não deixar morrer essa chama que temos dentro da alma. Abraços a todos e não esqueçam que "sonhos são aquilo que ainda vamos realizar…".
Fonte: Carcasse
5 Generias - Ao Vivo
01- Introdução
02- Naufrágio
03- Mariana (Sisters of Mercy cover)
04- Nas Ilhas
05- Outro Trago
06- Pássaros Negros
07- Sábado
08- Por um Momento
09- Outro Trago (Saideira)

Material & Download disponibilizado por Kell Kill (Luiza Fria/Ex-Morffina) & Zauber (Via Underground/Under Connection)

2 comentários:

  1. Haveria possibilidadde de redisponibilizar este material para download? O actual link não mais funciona. Grato desde já, Tassoni.

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